Eu tenho um problema sério com produtividade pessoal. Mais especificamente, eu tenho um problema com ativação comportamental. Meu problema na cachola provoca um negócio chamado disfunção executiva, que é um termo chique pra dizer que eu não consigo começar a fazer as coisas.
(Aviso: se você tá lendo isso e acha que o nome disso é preguiça ou frescura, cai fora do meu blog AGORA.)
Eu faço terapia pra manter os aspectos mais chatos do borderline sob controle, e este é um deles. Aí eu comecei a ir atrás de dicas pra melhorar esse problema e acabei encontrando um problema maior: a moda da hiperprodutividade.
Qualquer busca no YouTube que tenha “produtividade” no meio traz um monte de dicas para ser mais produtivo. O problema é que a maioria delas esbarra quase no coaching. Por exemplo, eu tenho uma conta no Notion, que é basicamente um workspace baseado em bancos de dados. A flexibilidade e a customização do Notion são INSANAS. Isso faz com que a maioria dos usuários do Notion criem dashboards pra controlar todos os aspectos do seu dia a dia – sim, eu disse todos, e são todos MESMO – usando principalmente duas metodologias: PARA e GTD.
No PARA (Projects, Areas, Resources, Archives) cada aspecto da sua vida que requer atenção é uma Área, e em cada área são inseridos Projetos e Recursos. Quando uma área é “finalizada”, ela vai para os Arquivos. Os projetos servem pra agrupar as tarefas relacionadas a cada área.
No GTD (Getting Things Done) uma tarefa passa por Captura (quando se cria a tarefa), Clareza (quando se esclarece o que é aquela tarefa, pra que vai servir etc.), Organização (se ela é passível de ação ou não, e a partir daí determinar os próximos passos), Reflexão (olhar para o todo e identificar a ordem dos próximos passos) e Engajamento (começar a tarefa).
No papel é tudo muito bonito, mas na prática isso tudo tá virando uma corrida maluca contra o tempo pra aumentar sua produtividade ao máximo.
Vamos voltar ao Notion. Dá pra montar templates com as duas metodologias no Notion, mas leva um tempão pra ficar tudo redondo porque geralmente os templates têm mais de um banco de dados com diferentes informações a serem inseridas, e por meio de relations e rollups é possível interligar estes bancos de dados, e por meio de fórmulas é possível fazer informações aparecerem automaticamente dependendo do tipo de informação que se coloca nos bancos de dados. No final você leva 120 horas pra conseguir montar um sistema que vai te ajudar por um tempo, e depois o template precisa ser atualizado pois existem outras demandas não previstas na versão 1.0 do template e, bem, isso tudo em nome da hiperprodutividade. Esses sistemas sempre estão em constante mudança, com vários incrementos que vão desde criar timeblocks para planejar minuciosamente os dias da semana até contar, com precisão de minutos, quanto tempo se gastou em uma determinada tarefa.
Não, gente, a culpa não é do Notion. Ele é uma ferramenta muito útil, eu gerencio um projeto fixo inteiro em uma página do Notion, por exemplo.
Hiperprodutividade não depende da ferramenta usada, e olha que os hiperprodutivos utilizam todas as ferramentas possíveis pra isso. O problema da hiperprodutividade é enfiar na cachola que cada minuto do seu tempo deve ser voltado para alcançar alguma meta ou objetivo. Sabe aquele lance de “trabalhe enquanto eles dormem”? É tipo isso. Por exemplo: ler no busão porque se sabe que quando chegar em casa há outras coisas pra fazer e não vai dar tempo de ler deixou de ser um simples “aproveitamento de tempo livre” pra virar um “uso consciente de um potencial tempo desperdiçado”. Ou pelo menos é a impressão que me dá quando vejo esse monte de vídeo falando de “boost your productivity”.
Isso é problema do PARA ou do GTD? De jeito nenhum. O PARA possibilita um sistema chamado Second Brain, ou Segundo Cérebro, usando a premissa de que seu cérebro é útil pra ter ideias e não armazenar informação – o que eu contesto levemente, mas divago. Usado de uma forma saudável ele é extremamente útil pra produtores de conteúdo, por exemplo. Já o GTD é um sistema robusto quando usado pra REALMENTE ajudar a fazer as coisas que às vezes ficam perdidas durante o dia; estou usando ele há uma semana e meu problema com ativação comportamental melhorou bastante.
Ou seja, o problema não é o sistema, é o uso exagerado que se faz dele e das ferramentas que possibilitam seu uso. Ninguém precisa ser hiperprodutivo no período de tempo em que se está acordado. Um velho ditado diz que “tudo o que é demais faz mal”; produtividade de menos é um problema, e eu sou uma prova viva disso, mas produtividade demais também faz mal – ansiedade é o mínimo que eu consigo imaginar como resultado dessa obsessão por entregar resultados a cada minuto, seja lá quais eles forem.