ME AJUDA, HIPERFOCO!

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Em maio de 2013 esta que vos escreve foi diagnosticada com transtorno de personalidade borderline por um psiquiatra do Hospital Universitário da USP depois de um surto depressivo feio, muito feio, mais feio do que briga de foice no escuro.

O transtorno de personalidade borderline é caracterizado por um padrão generalizado de instabilidade e hipersensibilidade nos relacionamentos interpessoais, instabilidade na autoimagem, flutuações extremas de humor e impulsividade. O diagnóstico é por critérios clínicos. O tratamento é com psicoterapia e fármacos.

https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/transtornos-psiqui%C3%A1tricos/transtornos-de-personalidade/transtorno-de-personalidade-borderline-tpb

Quase nove anos depois, a maioria das características citadas acima está sob controle graças ao tratamento com psicoterapia e fármacos. A modalidade terapêutica que eu sigo é a DBT, sigla em inglês para Terapia Comportamental Dialética, criada pela dra. Marsha Linehan e usada extensivamente para ensinar o paciente a lidar com o transtorno – lidar aqui é a palavra-chave, já que transtornos de personalidade não têm cura.

Os remédios eu pego no SUS mesmo.

Eu sigo essa modalidade faz uns seis ou sete meses. Quando comecei eu estava numa fase completamente urso do Pica Pau das ideias e concluí que eu precisava de ajuda pra voltar pros eixos. Procurei por psicólogos que atendiam remotamente – pandemia né mores – e no meio da minha pesquisa descobri a DBT. “É DISSO MESMO QUE EU PRECISO!” e desde então tenho consultas semanais com a Camila, minha psicóloga especialista em DBT.

O legal da DBT é o desenvolvimento e treinamento de habilidades pra lidar com o transtorno. No meu estágio de tratamento, a mais útil é uma chamada de Mente Sábia. Por mais tilelê que isso possa parecer, é um treinamento pra unir emoção e razão.

Por exemplo: eu tive motivo pra explodir de ódio não faz muito tempo. E eu quase explodi, não fosse pelo treinamento. Parar, respirar e se acalmar não é fácil pra ninguém, mas no caso do borderline, cujas emoções estão sempre nos extremos, precisa de MUITA força de vontade pra isso. Nessa ocasião eu me afastei do que eu tava fazendo e de qualquer meio que possibilitasse que eu explodisse e fui me acalmar usando uma técnica que também se ensina na terapia. Só depois que eu me acalmei e “domei” o ódio voltei a pensar no assunto. Com isso eu consegui resolver a situação com menos raiva e mais racionalidade. Até ganhei estrelinha na sessão seguinte!

Pois bem, o que essa enorme introdução tem a ver com hiperfoco? Ora, caro leitor, lá em cima vimos que duas características do TPB são as flutuações extremas de humor e a impulsividade. No meu caso, a impulsividade de mãos dadas com a flutuação de humor no período de euforia produz um fenômeno interessante chamado hiperfoco. Mas a forma como essa gelatina cinza que está contida na minha caixa craniana processa essas duas características ao mesmo tempo é gritando “VOCÊ TEM QUE FAZER ISSO AGORA PORQUE SENÃO UM FILHOTE DE CRUZ CREDO VAI MORDER SEU PÉ À NOITE” (ou algo semelhante). Mas não é com uma coisa só, é com tudo ao mesmo tempo, o que acaba completamente com o meu raciocínio lógico, emocional, espacial e, por que não dizer, fisiológico.

Hoje eu tive minha sessão de terapia e contei pra Camila que eu tava, de novo, perdida nos meus pensamentos, presa na divisão entre “coisas que eu tenho que fazer”, “coisas que eu quero fazer”, “coisas que eu gostaria de estar fazendo” e “o que caralhos eu tô fazendo?”. Isso nunca dá certo, porque – acho que isso tá na Bíblia – não é possível servir a dois senhores ao mesmo tempo, que dirá quatro. Antes mesmo de terminar de explicar pra ela o que tava rolando eu saquei que eu tava insistindo em fazer multi-tasking e na minha cabeça a teoria é maravilhosa, mas se a prática funcionasse na teoria as faculdades de Humanas seriam mais respeitadas. Em outras palavras, ONE DOES NOT MULTI-TASK WITH HYPERFOCUS, BITCH!

Digamos que eu quero escrever aqui no Bagunçadamente. Tenho uma ideia, ela pega a senha 1 e começa a se organizar na minha cabeça. Mas daí a ideia “tradução de conto alemão”, que estava com a senha 1 e agora está com a 2, chega e começa a prestar atenção na ideia “post do blog”. Dali a alguns minutos a ideia “revisar texto pendente”, que tinha a senha 1, mas perdeu ela pra tradução e agora está com a 3 porque perdeu a 2 pra ela também, para do lado da ideia “post do blog” e começa a olhar pra ideia “tradução de conto alemão”. Cinco segundos depois a ideia “spread de bullet journal” atravessa a caixa craniana e atropela as outras três, pegando a senha 1 e falando “EU SOU MAIS LEGAL DO QUE VOCÊS TRÊS JUNTAS!”.

Agora vocês entenderam o nome Bagunçadamente, né?

Esse monte de ideia e de coisa e de tarefa é trocentos projetinhos novos tem a ver com outra característica do borderline: o vazio. O paciente borderline geralmente sente um vazio quase insuportável, que vem do nada e não para em lugar nenhum. Criar tarefas, ou projetos, ou qualquer coisa parecida com isso, é uma forma de preencher esse vazio, mas ele parece a mochila do gato Félix: não tem limite, por mais que se enfie coisa lá dentro. E o meu vazio deveria estar transbordando de coisas mas continua vazio, e eu continuo tendo ideias e impulsos e hiperfocos pra algo que não tem fim.

Bom, lá pelo final da sessão eu e a Camila chegamos a uma solução a ser testada: bloquear todo e qualquer pensamento enquanto um hiperfoco está em ação. Ele tem um tempo de duração variável e invariavelmente acaba. Pra quem nunca experimentou hiperfoco, é como quando você pega um livro desses que você gosta muito e simplesmente lê de cabo a rabo sem pausa. Pode cair o teto em cima de você que foda-se, você continua lendo. Ou quando você está escrevendo um texto no blog e só percebe que está com a barriga roncando de fome quando sua mãe pergunta se você não vai jantar.

Simplificando, se eu tiver vontade de abrir um bloco de notas e escrever, traduzir, ensaiar até encher o armazenamento do OneDrive, eu vou fazer até acabar o hiperfoco. Depois eu separo e publico.

Torçam por mim e pelo hiperfoco auxiliar, porque tá foda existir dentro da minha Bagunçadamente.

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